Fernando Nilson Constâncio, Greyce Daniel Sagas e Maria Eduarda da Silva
EBM João Gonçalves Pinheiro
Bolsistas desenvolvendo a atividade com a turma 71. Foto tirada pelo prof. Aldonei Machado durante a aula na E.B.M. João Gonçalves Pinheiro.
No segundo semestre, atuamos no Programa de Iniciação à Docência (Pibid) junto à Escola Básica Municipal João Gonçalves Pinheiro, localizada no bairro Rio Tavares, às terças-feiras, no período matutino. As primeiras semanas foram essenciais para observarmos as turmas e discutir os temas relevantes para desenvolver nas aulas. Desta forma, após a observação inicial, decidimo-nos por fazer uma sequência didática na turma 71 que, de acordo com o plano de ensino desenvolvido pelo professor, compreendia os assuntos que tinham por temática as Grandes Navegações.
Durante as aulas que abordavam esse tema, o professor supervisor utilizava mapas para explicar as rotas marítimas que foram essenciais na busca pelas riquezas e especiarias. Observamos o quanto o tema despertava a curiosidade da turma, muito interessada em conhecer e entender como funcionavam essas viagens e como eram esses lugares explorados. Foi a partir desta lacuna que pensamos a aula sobre "Resistência de Reis e Rainhas em África e a Agência dos Escravizados/as no Brasil: Chico Rei e a Rainha N'zinga". Adotamos como ponto de partida o Mapa de Cantino, do ano de 1502, apontando a chegada dos navegantes portugueses ao continente africano e seu processo de colonização, propondo analisar as narrativas destes personagens da história, com o intuito de mostrar outra perspectiva historiográfica, além do olhar ocidental.
O propósito da aula era instigar o pensamento crítico e reflexivo, trazendo um novo olhar sobre esse período de escravização e colonização do continente africano e do Brasil, salientando a agência e o protagonismo das populações escravizadas, com a figura de reis e rainhas, além da violência, trabalhando, assim, a consciência histórica da turma. Dessa forma, planejamos uma sequência didática que compreendesse tais questões. Inicialmente, introduzimos a temática com uma aula expositiva/dialogada e a análise das fontes que seriam utilizadas posteriormente pelos alunos. Como forma de encerramento da sequência didática e para avaliar o desempenho dos estudantes, solicitamos que criassem um zine, articulando a temática da aula por meio de recortes de jornais, revistas, desenhos e escritos.
É importante ressaltar que a turma era grande e se caracterizava por sua diversificação e agitação, embora todos sempre fossem participativos e questionadores diante do conteúdo apresentado. Quando colocamos em prática as aulas expositivas/dialogadas com o uso de fontes e a história de N'zinga e Chico, muitos se mantiveram atentos e surpresos por descobrir estes reinos, e logo se ligaram com atenção aos termos "escravizados" e "Áfricas", incorporando-os nas atividades e no cotidiano em sala.
O momento de construção das atividades foi crucial para compreender a importância do conteúdo desenvolvido, pensando a representatividade. Os materiais didáticos utilizados levavam à construção artística de zines elaboradas através de colagens de revistas, desenhos, poemas e histórias através dos quais os alunos podiam transportar o que haviam compreendido sobre o conteúdo. Aqui é que esbarramos com o inesperado: um determinado grupo de alunos chamou a atenção para a dificuldade de encontrar pessoas negras nas revistas para representar a rainha N'zinga. Nesse momento, levantamos a reflexão de que os motivos de não encontrar a representação destas pessoas nas revistas significava algo crucial, que ainda permeia a nossa sociedade, chamado "racismo estrutural", enraizado devido aos processos da escravidão, da exclusão e das tentativas de embranquecimento destas populações, fato que se reflete até os dias atuais.
Na verdade, esta foi a maior dificuldade levantada por boa parte dos alunos durante a montagem do zine e também em nosso trabalho de selecionar e escolher revistas e livros nos quais a presença tanto de mulheres quanto de crianças e homens negros não aparecia, fazendo com que esse desconforto nos levasse a apurar mais nosso olhar em sala sobre questões raciais, que estavam além do que se esperava dentro do programado. Angela Davis, em seu livro "A liberdade é uma luta constante", enfatiza essas questões sobre o racismo estrutural e a importância do diálogo. A respeito deste último, escreve:
O chamado ao diálogo público sobre raça e racismo é também um chamado ao desenvolvimento de um vocabulário que nos permita estabelecer conversas construtivas. Se tentarmos usar um vocabulário historicamente obsoleto, nossa consciência sobre racismo permanecerá superficial, e poderemos facilmente sofrer pressão para admitir, por exemplo, que a mudança nas leis produz espontaneamente mudanças efetivas no mundo social. Por exemplo, quem pressupõe que a escravidão, por ter sido legalmente abolida no século XIX, foi relegada a lata de lixo da história, deixa de reconhecer em que medida os elementos culturais e estruturais da escravidão ainda nos acompanham (DAVIS, 2016, p. 86).
A solução encontrada para este problema por uma das alunas foi de desenhá-la (uma adolescente negra) no próprio zine, escrevendo "Eu" dentro do desenho, junto com o desenho de uma coroa. Diante disto, ficou evidente a importância do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nas escolas (amparada pela Lei 11.645/08, que a torna obrigatória nas escolas públicas e privadas), mostrando ser crucial nas salas de aula mostrar novas perspectivas sobre a colonização, além da história oficial, assim como mostrar a representatividade das diversidades étnicas/culturais presentes na nossa sociedade, e o quanto isso se reflete dentro das comunidades escolares.
Zines produzidos pelos alunos
REFERÊNCIAS
DAVIS, A. A liberdade é uma luta constante: 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2018.
MATERIAL DIDÁTICO CHICO REI: Disponível em: <https://www.canva.com/design/DAC7ycwxbdY/Shku3zOQ4lBnAgUJmoskSA/edit> Acesso em: 27 nov. 2018.
PINA, Carolina Biasi et al. O Reino do Congo: conteúdos de História da África em sala de aula Maringá. Maringá. p. 203-207.
REIS, João José e SILVA, Eduardo. Negociação e conflito: a resistência negra no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
SERRANO, Carlos M. H. Ginga, a rainha quilombola de Matamba e Angola. Revista Usp, São Paulo, n. 28, p.136-141, 1 mar. 1996. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/28370>. Acesso em: 27 nov. 2018.
ROSSATO, L.; OLIVEIRA, N. Experiências de ensino de história no estágio supervisionado. Goiânia: Alfa Comunicação, 2015.
Site Eletrônico Base Nacional Comum Curricular, disponível em:http://basenacionalcomum.mec.gov.br/wp-content/uploads/2018/02/bncc-20dez-site.pdf. Acesso em: 15 nov. 2018.
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